sexta-feira, 18 de julho de 2008
Você viu o cabeção por aí?
Apelido é uma coisa séria. Pode chamar de vulgo, alcunha ou Nick. O princípio é sempre o mesmo: irritar a quem se nomeia. Não lembro de meu primeiro apelido. Pelo que contam ele foi colocado no dia que nasci, ainda na maternidade, para irritar meu pai. Araçá. Que apelido melhor para o filho do Goiabão? Na maternidade, ao invés de charutos meu pai distribuiu sopapos quando os amigos comemoraram o nascimento do pequeno araçá. Ele não aceitava bem apelidos. Bom, mas acho que esse não valeu, não foi por mérito próprio.
O meu apelido de verdade, o que iria me acompanhar durante toda a vida, surgiu na alfabetização. Ah, como as crianças podem ser maldosas. Não tardou para perceberem uma leve desproporcionalidade entre minhas pernas, tórax e cabeça. Pronto. Cabecinha, cabeça ou cabeção. Eu me irritei, pronto, pegou.
Vocês tem noção de quantas vezes eu escutei a música “você viu o cabeção por aí?”? E a piadinha “tua mãe pede pra você trazer a feira no bonezinho?”. “Foi parto normal? Tua mãe ainda anda?”. O jeito era, quando menor, botar o pinto pra fora e balançar gritando “Ó o cabeção aqui, ó!”. Quando maiorzinho perdi esse hábito. Percebi que era mentira e eu podia terminar ganhando um segundo apelido, ainda pior. Ruim mesmo era ter um apelido que aceitava mímica. Era só minhas irmãs colocarem as mãos paralelas as orelhas e irem afastando, com um balançar de cabeça, que eu perdia as estribeiras. As miseráveis eram más. Lembro que diziam “Mainha, ninguém chamou ele de cabeção! Ninguém nem falou cabeção. Ele que está com cabeção na cabeça. Eden, isso é coisa da sua cabeça”. Aí eu surtava. Partia pro cacete. Elas saiam correndo e gritando “Cabeçada não, por favor, não nos mate. Tudo menos cabeçadas”. Elas eram muito más.
O que mata num apelido desses é que você nem tem como disfarçar. Vou fazer o que? As vezes alguém gritava “ E aí cabeção” e eu emendava com um “me chamam assim porque eu sou o chefe da galera, saca? O cabeça?”. Nessas horas eu ouvia um discreto “hum rum” seguido por uma checadinha com o rabo de olho. Quando não vinha acompanhado de um risinho discreto eu fingia que a coisa tinha funcionado. Minha mãe ainda tentava remediar... “meu filho, sua cabeça é grande pra caber muita inteligência”.
Não há alegria maior para um cabeção do que achar uma cabeça maior que a dele. Ah, você se vinga de todas as tirações de sarro no coitado que se tornou, por causa de alguns centímetros a mais de cabeça - vale largura, altura ou comprimento, seu alvo, sua presa.
Me lembro quando entrei numa academia de ginástica perto de casa onde eu e Filipe, meu compadre, malhamos. Eu estava morto, cansado, pedindo penico quando ELA surgiu. Eu olhava para a escada e a ponta de uma cabeça vinha surgindo. E surgia. E surgia. E continuava surgindo. Porra, que lapa de cabeça. Meu cansaço sumiu na hora. Me senti revigorado. Dei uma cotovelada em Filipe e enchi os pulmões: “Meu irmão, veja só que lapa de cabeça!”. Perto do cara eu era apenas um pequeno padawan.
Daí em diante foi uma perseguição só. Cabeça de dinossauro, lua de cristal, castelo de grayskull, boneco de Olinda, morrete. Desfiei todos os apelidos que tinha ouvido por toda minha vida. O cara tentou de tudo. Cortou o cabelo, botou boné, bandana. E eu lá, firme e forte. “Que lapa de cabeça do caralho”.
Um belo dia ele desistiu, deixou de freqüentar a academia. Eu perdi meu alvo de piadas. Alguns dias depois voltei a ser referência. Escutei o professor falando com uma gatinha que malhava no mesmo horário. “Agora você vai fazer uma série naquela máquina ali, perto do cara com o cabeção”. Malditas crianças e seus apelidos.
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