quarta-feira, 17 de dezembro de 2008
Quando o publicitário tem de amolar o machado
Pra começar leiam a parábola abaixo:
"Conta-se que um jovem lenhador ficara impressionado com a eficácia e rapidez com que um velho e experiente lenhador, da região onde morava, cortava e empilhava madeira das árvores que derrubava. O velho lenhador era um homem tranqüilo, bem relacionado com todos e era tido como uma pessoa de bom coração, além de ser considerado o melhor lenhador de toda a redondeza.
O jovem o admirava e o seu desejo permanente era de um dia, torna-se tão bom, se não melhor, que aquele homem, no ofício de cortar madeira. Certo dia, aquele jovem finalmente decidiu procurar o velho lenhador com o propósito de aprender com quem mais sabia e assim tornou-se o melhor lenhador que aquela cidadezinha já tinha ouvido falar.
Passados alguns dias daquele aprendizado, o jovem resolvera que já sabia tudo e que aquele velho não era tão bom quanto falavam. Sendo assim, o jovem decidira afrontar o velho lenhador, desafiando-o para uma disputa: em um dia de trabalho quem cortaria mais árvores?. Aquele velho lenhador aceitou, sabendo que seria mais uma oportunidade de dá uma lição no jovem arrogante. E assim fizeram, reuniram testemunhas, formaram comissão julgadora, organizaram torcida, delimitaram as áreas onde seriam cortadas as árvores e, no dia escolhido para o confronto, lá se foram decidir os dois quem seria o melhor.
De um lado, o jovem forte, robusto e incansável, mantinha-se firme, cortando as suas árvores. Do outro, o velho lenhador, desenvolvendo o seu trabalho silencioso, tranqüilo. Também firme e sem demonstrar nenhum cansaço.
Num dado momento, o jovem olhou para trás a fim de ver como estava o velho lenhador e qual não foi a sua surpresa ao vê-lo sentado. O jovem riu e pensou: ‘ além de velho e cansado, está ficando tolo, por acaso não sabe ele que estamos numa disputa?”. E assim, ele prosseguiu cortando lenha sem parar, sem descansar um minuto.
Ao final do tempo estabelecido, encontraram-se os dois e os representantes da comissão julgadora foram efetuar a contagem e medição e, para admiração de todos, foi constatado que o velho havia cortado duas vezes mais árvores do que o jovem desafiante.
Este, espantado e irritado ao mesmo tempo, indagou-lhe qual o segredo para cortar tantas árvores, já que uma ou duas vezes que parara apenas para olhar, via-o sentado bem tranqüilo, enquanto ele não parou um só minuto. O velho, bastante sereno, respondeu: ” todas as vezes que você me via sentado, eu não estava simplesmente parado, descansando. Eu estava amolando meu machado."
Ah, Eden, o qual a relação deste texto com propaganda? Bom, caros 12 leitores, tem sim... e muito. Semana passada fui pego de surpresa por um amigo, um dos melhores DAs do Recife, que, numa conversa informal, me avisou que ia sair do mercado. Ia deixar de trabalhar em agências, ia tentar um novo caminho, perseguir outros objetivos. Bom, o cara estava quase no teto salarial para DA aqui na região, já havia passado pela melhores agências, é um puta profissional, reconhecido não só pela qualidade de seu trabalho mas por suas qualidades pessoais. O que leva alguém a sair do mercado dessa forma, vocês podem se perguntar... eu até sei a resposta, mas antes de contar a vocês que tal analisarmos todas as possibilidades?
A idade chegando
Velho. Velho é um adjetivo que depende MUITO do referencial. Velho comparado a quê? O que é um publicitário velho? Quer descobrir? Verifique qual a média de idade de sua agência e vai descobrir. Pra piorar exclua da conta aqueles que não são exatamente ligados a publicidade (serviços gerais, telefonista, cobranças, RH, etc...). Assustador não? É triste descobrir que a média de idade vem caindo cada vez mais e mais, assustadoramente, excluindo do mercado os profissionais acima dos 35 anos com uma velocidade impressionante.
Quantos DAs vocês conhecem com mais de 40 anos? Em tese teriam ainda 25 anos de trabalho pela frente, não é mesmo? Usei DA como referência por ser minha seara mas se aplica a quase todas as funções da agência. Ah, Eden, muitas vezes os profissionais fazem como seu amigo, saem ainda cedo! Sim, é verdade, mas porquê?
Acredito eu que na maioria das vezes seja buscar outra oportunidade ou negócio antes que "seja tarde". Sair pra não ser "saido". Vão se tornar consultores, empreendedores - abrindo suas próprias agências (e apanhando muito com isso), professores ou simplesmente mudam de área. Eu, sinceramente, aposto numa atitude defensiva, buscando se antecipar a substituição e, em seguida, a queda de seu valor no mercado. Quando se percebe que está se tornando o tiozinho da agência o desespero deve bater.
Ah, mas se o cara fosse bom mesmo teria virado sócio da agência! Sim, deveria... mas as vezes ele era sim muito bom mas a agência, sem visão, não achou viável ganhar outro sócio para dividir a grana que entra de contas conquistadas na politicagem apenas e cuja qualidade do trabalho do infeliz tem pouca ou nenhuma influência real. Num mercado como o nosso, onde a imensa maioria das grandes contas estão atreladas a conchavos e politicagens a qualidade nem sempre faz realmente a diferença. O importante é ser a maior e nem sempre a melhor de fato - e não venham me dizer que quantidade de prêmios define a melhor agência.
Qualidade de vida.
Ah, Eden, mas quem quer qualidade de vida deveria ter escolhido ser artista plástico! Ok, concordo que publicidade tem que estar no sangue, que você tem que amar a profissão pra aguentar o rojão. Tem que ter nascido com o DNA do publiciotário.O trabalho numa agência é sim estafante, cansativo, sufocante e... estimulante. Isso, estimulante. Quem vive, respira e ama a publicidade fica estimulado com toda a pressão, o desafio, as conquistas que envolvem o dia-a-dia de uma agência. O corre-corre da agência faz o sangue circular. Brigar com o atendimento, sacanear o arte-finalista, manipular o diretor de criação. ADRENALINA. Pra quê qualidade de vida se a vida está ali? Na agência. Ao menos no começo da carreira.
Com o passar do tempo os laços vão se formando e passamos a querer mais tempo para quem amamos - inclusive nós mesmos. Todo o estresse e a adrenalina cobra seu preço e o corpo também começa a reclamar. Virar noites e noites na agência começa a se tornar um martírio. Os prêmios que aquela campanha imensa vai ganhar de repente deixaram de ser tão importantes. Colocar seu filho para dormir se torna importante. Andar na praia com sua mulher se torna importante. Jogar bola com seus amigos se torna importante. Respirar.
O paradoxal dessa situação é que quanto mais volume mais grana pra agência então os sócios metem o pé pra dentro. Para aumentar a margem de lucro a estrutura tem que se manter enxuta então menos profissionais e mais trabalho para cada um deles. Ouroboros, a mitólogica cobra que engole o próprio rabo. Um ciclo que não pode ser quebrado. Para aumentar a lucratividade da agência diminui-se a qualidade de vida dos funcionários que, paulatinamente, vão perdendo produtividade e reduzindo a lucratividade.
Mas existem forma de resolver isso? Claro! Ambientes de trabalho diferenciados, equipes bem gerenciadas, jobs bem definidos, implantação de um novo paradigma que permita aos sócios da agência perceber que melhoria da qualidade de vida também gera aumento de lucratividade.
Amolando o machado.
O profissional que olhar para seu trabalho de um ano atrás e não perceber que poderia ter ficado bem melhor - inclusive muitas vezes se questionando se foi ele mesmo que fez "aquilo" - atingiu sua curva de declínio. O normal é olharmos para nossos trabalhos anteriores e percebermos como melhoramos, como nossa experiência nos fez melhores, mais ágeis, mais produtivos, mais detalhistas. E sabe o que nos faz assim? Amolar o machado.
Preparar nossa ferramenta, ou seja, nós mesmos, para estarmos sempre afiados, conhecendo as novidades, dominando as novas ferramentas. Isso demanda tempo - que podemos ligar com qualidade de vida - e investimento financeiro - que as agências não bancam pois a ciranda profissional, troca-troca de agências, não permite que invistam em um profissional que pode sair amanhã por uma proposta apenas 10% melhor.
Profissionais que não "amolam seu machado" são facilmente substituidos. No meu tempo - como me senti velho agora - eram formados 35 publicitários ao ano em Recife. Hoje são 500 ou mais. Está certo que quantidade não significa qualidade, mas existe uma enxurrada de jovens, com acesso infinitamente melhor a conteúdo e informação do que tinhamos, com uma facilidade imensa de acompanhar tendências - tempo, dinheiro, internet, etc - dispostos a receber 1/5 do que você recebe apenas para tomar o seu lugar. Enquanto você perde todo o dia analisando grade de programação este jovem estuda novas mídias digitiais e faz um curso de dois dias com certificação do google sobre como anunciar usando as novas ferramentas para a WEB. Enquanto você faz e refaz uma arte, morto de sono, de madrugada, um desses jovens profissionais passeia por alguns dos melhores blogs, analisa tutorias, se torna proeficiente nas últimas e melhores tendências.
Enquanto você se mata de trabalhar - porque a vida exige, sem tempo para estudar - porque a agência não permite, alguém estuda, pesquisa e melhora apenas para tentar pegar o seu lugar pedindo menos do que você. Como disse antes, um ciclo.
A desvalorização da experiência.
Comecei DA, morrerei DA. Posso não mais sentar na frente de um micro com a frequência que sentava para fazer a arte de um anúncio, por atuar mais como Diretor de Criação e Planejamento, mas sempre serei DA. Tem muito guri bem melhor que eu no uso das ferramentas, que fazem artes mais bonitas, modernosas e cheias de estilo. Mas tem poucos que sejam tão rápidos e eficientes como eu, menos ainda que entendam todo o processo da propaganda, passando da prospecção a veiculação, que entendam que a arte é só parte do processo. Menos ainda que estudem o universo da propaganda ao invés de se dedicar apenas a sua área de atividade. Mas, será que isso faz tanta diferença assim?
Conversando com um dos grandes publicitários daqui, discutindo exatamente a saída desse meu amigo do mercado, terminei citando um outro publicitário que está na faixa dos seus 40 anos que vou chamar de Arthur - desculpem se não dou nomes aos bois. Rapaz, eu entendo ele, ele tem muito medo de terminar como Arthur - disse eu. Mas, Eden, Arthur é um DA massa, ele fica lá, na dele, mata seus três Jobs ao dia - foi a resposta que recebi. Mata seus três Jobs ao dia. É, verdade, mas esse cara tem 40 anos, sei que não vai se tornar Diretor de Criação, já está se tornando chato, ranzinza e estrela, implicando com todo mundo, e cada vez que muda de emprego é para um salário menor - rebati. Sim, mas ele sempre terá seu lugar ao Sol - foi a frase que fechou a discussão. Me pergunto se é verdade. Sempre? Ou até fazer 45 anos?
Até que ponto a experiência, o volume de aprendizado no decorrer dos anos compensa o peso de se ter um senso critico mais apurado, que faz do profissional mais experiente um tanto mais chato. Até que ponto o peso da história de um profissional, que faz com que ele não se dobre tão fácil aos mandos e desmandos daqueles menos experientes, compensa todo o problema que ele pode causar. Até que ponto as agências acreditam que o valor agregado pela experiência compensa manter um profissional mais caro ao invés de colocar 3 novatos em seu lugar. Até que ponto o mercado exigie a qualidade do trabalho que só um profissional experiente pode dar? Não exige. E, se o mercado não exige aquilo que um profissional mais experiente pode dar...
É claro que poderia externder esse post ainda mais, falando de outras possíveis motivações como ter seu próprio negócios, mudança de rumo, atuação em um novo nicho e afins, mas não vou. Já cheguei onde queria.
Sabem afinal o que fez meu amigo sair do mercado? Ele não queria ter o seu lugar ao Sol apenas, ele queria poder pegar um bronzeado. Ele queria o conjunto que é qualidade de vida, possibilidade de estudar, de evoluir, de crescer. Ele julgou que isso é mais importante que segurança financeira. Ele trocou a realização profissional pela realização pessoal. Ele é corajoso, não acham?
Mas não deveria ter de SER assim... se o mercado fosse diferente, se fosse menos cínico e sem coração, ele poderia continuar buscando as duas coisas juntas. Divagando, não é mesmo? Utopia e propaganda não combinam nem na mesma frase.
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