sábado, 16 de agosto de 2008

Ê, ê, ê, só mora corno em Baê...


Lauro leva uma vida modesta mas feliz. É certo que algumas coisas não são tão boas quanto poderiam. Ele gosta do trabalho, é balconista na Eletroshow, loja de artigos elétricos de João Pessoa. O trabalho não é tão duro, seu chefe é gente boa e o salário se não é grande coisa também não deixa nada faltar. Queria ter um carro, ou até uma moto, para locomover mais fácil mas infelizmente nem tudo é como queremos. Sua mulher, Ana, podia ser mais bonita, mais ajeitada mas ele entende. A vida é dura e resta pouco tempo para que ela se cuide. Coitada. Uma santa. Dá um duro infernal e mal tem tempo para cuidar de si mesma. Lauro é tão boa praça que nem se incomoda de viver em Bayeux.

Ele tira de letra toda esta história de que Bayeux , que se lê Baê, é a cidade que tem mais corno no Brasil. Diferente de seus vizinhos não dá um endereço de João Pessoa quando preenche cadastro pra crediários. Não, não. Ele leva isso tão não boa que nem se aborreceu quando no carnaval fora de época de João Pessoa certa cantora baiana cantou uma música exclusiva para os moradores de Bayeux. “Ê, ê, ê, só mora corno em Baê, ah, ah, ah só mora corno lá” ela cantava enquanto Lauro dançava sem se incomodar com brincadeira. Ele sabia que não era corno. Ana era uma santa. Porque se incomodar afinal? Bem, era assim até que um dia a coisa mudou.

Lauro pegava o ônibus sempre no mesmo lugar. Todo santo dia na mesma hora. A parada nunca estava lotada, ele acordava cedo afinal morava longe do trabalho, mas sempre havia ali uns 10 gatos pingados. Um belo dia, se é que podemos chamar assim, um motoqueiro passou pela parada e gritou “Cornooooooooooooooo!” para a parada de ônibus. Lauro achou graça, quem ali seria o corno? Ele certamente não seria. E o fato se repetiu nos outros dias. “Cornooooooooooooooooooo!”. Lauro começou a achar que o motoqueiro olhava para ele quando gritava. Ah, devia ser impressão. Até que um dia o bicho pegou.

Neste dia Lauro estava na parada acompanhado de apenas três pessoas. Dona Silvia, uma senhora de 62 anos de idade que morava junto à padaria, e Júlia, uma estudante de 15 anos que era filha de Roberto, o balconista do mercadinho Esperança. E o motoqueiro passou mais uma vez. “Cornoooooooooooooooooooooooo!”, gritou a plenos pulmões. Lauro sentiu o cabelo da nunca arrepiar. Não podia ser. Aquilo era pra ele. Só podia ser. Não era pra Dona Silvia tão pouco para a Júlia. Era pra ele. Mas... Como assim? Quem era aquele MERDA pra o chamar de corno. E pior, por quê? Ah, mas isso não ia ficar assim. Não mesmo. Isso ia ser tirado a limpo. Pela primeira vez em 12 anos de trabalho Lauro iria se atrasar. E ele voltou para casa.

- Ana, ANAAAAAAAAAAAA.

- Quié, homem de Deus, que barulheira dos infernos é essa?

- Ana, senta aí, senta aí que eu quero tirar uma história a limpo.

- Oxe, o que houve? Desembucha.

E Lauro desembuchou. Contou sobre seu algoz, o motoqueiro que o chamava de corno todos os dias.

- E o que você tem a me dizer sobre isso, Ana? Você me traí?

- Não, mas devia! – ela respondeu furiosa.

- Ah?!

- Devia mesmo, seu cabra sem vergonha, safado. Como você tem o descaramento de me acusar desse jeito? De duvidar de mim?

-...

- Eu que cuido dessa casa, de você, de seus filhos. Eu que sempre te dei carinho, sempre lhe respeitei. Aí vem um engraçadinho e cisma com essa sua cara de pamonha, começa a frescar com você e você, atabacado, acredita.

- Mas...

- Mas porra nenhuma – ela gritou enquanto baixava vassourada na cabeça do pobre Lauro – vá embora, seu cabra de peia, suma antes que eu quebre a sua cara. Quem já se viu.

- Mas Aninha, ai, aninha, ai, ai...

E Lauro foi trabalhar, correndo de casa sob uma chuva de pancadas. Maior que a dor das vassouradas foi a dor da vergonha de ter duvidado de sua Ana, aquela santa mulher. Voltou pra casa, Ana não falou com ele nem colocou seu jantar. Cabisbaixo comeu uma banana, um pão com manteiga e açúcar e tomou um café frio. Deu boa noite aos filhos e se deitou no sofá. Amanhã ele daria um jeito de se desculpar com Ana, aquela santa.

Acordou e ainda tentou cumprimentar a esposa que lhe virou a cara. Comeu e foi para parada. Arrastando os pés. Ana. Santa. Mãe de seus filhos. Ele era um idiota. Estava lá, na parada, remoendo seu remorso quando o motoqueiro virou a esquina. Em sua CB125 vermelha, com adesivo do Aviões do Forró colado no tanque, ele acelerava em direção a parada. A uns 30m ele levantou a viseira. Lauro sabia o que vinha mas desta vez tinha absoluta certeza de que não era com ele. Esperou pelo grito. O ronco da moto, de escapamento furado, estrondava em seu ouvido. É agora, pensou. “Cornooooooooooo....” – não era com ele, não tinha nada a ver com a Ana, aquela santa – “... e fofoqueirooooooooooooooooooooo!”. Longe uma música tocava “ê,ê, ê, só mora corno em Baê, Ah, ah, ah, só mora corno lá.. EU FALEI... ê, ê...”. É, Lauro é um legítimo morador de Bayeux.

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Um comentário:

Unknown disse...

de dia falta agua
de noite falta luz
na casa que nao tem um corno
é um milagre de jesus!

e viva bayeux.